COMPREENDA A DIFERENÇA ENTRE CORNO E CHIFRE

Para compreender as principais diferenças entre cornos e chifres é preciso desapegar do uso coloquial dos termos aos humanos. Abordaremos aqui as principais diferenças, características físicas, funcionalidades e curiosidades dessas estruturas ósseas no mundo animal. Acompanhe a postagem, fique fera no assunto, e definitivamente, faça o uso correto da terminologia!

vários crânios, chifres e cornos aparecem na imagem

Apêndices cranianos

Nossa última postagem foi sobre a ordem Artiodactyla. Um táxon fascinante que agrupa desde bovídeos, cervídeos à cetáceos (golfinhos e baleias). Se você perdeu esse conteúdo volte na postagem para saber mais. Lá, entre várias curiosidades do grupo, apresentamos, superficialmente, as diferenças entre corno e chifre. Seguiremos agora, aprofundando e falando sobre outros aspectos interessantes dos apêndices cranianos (o nome técnico para incluir essas estruturas da cabeça) encontrados nessa ordem.

Diferenças principais entre cornos e chifres

Cornos são estruturas ósseas permanentes, não ramificadas projetadas diretamente do alto do crânio, – de ambos os sexos (usualmente)-, dos bovídeos; crescendo ao longo da vida sendo cobertos por uma bainha de queratina. Chifres, por sua vez, também são estruturas ósseas, mas o crescimento deles, no alto do crânio, parte de uma base óssea, denominada pedículo. Ocorrem, quase sempre, somente nos machos de veados, exceto renas (Rangifer tarandus), cujas fêmeas também possuem. Chifres podem se ramificar e quando completamente desenvolvidos não possuem nenhuma cobertura externa. São estruturas decíduas, ou seja, são substituídos periodicamente, ao longo da vida do animal. Um novo chifre nascerá novamente a partir do pedículo, usualmente de forma mais complexa do que o anterior.

A imagem está divida em quatro sessões. No canto superior esquerdo, denominado com a letra A, temos um crânio onde é possível verificar a estrutura óssea evolvida com queratina de um corno. Abaixo e ainda a esquerda, identificado por B, temos um representante da família Bovidae com cornos grandes e curvados. Na parte superior direita temos um crânio onde é verificar o pedículo ósseo. É nele que crescera a estrutura denominada chifre sendo, portanto, decídua. Chifres podem ser ramificados como mostrado no cervídeo que ilustra a imagem do canto inferior direito, identificada com a letra D.
A) Crânio com corno, onde é possível observar a bainha de queratina que encobre o osso. B) Corno em um representante Bovidae, sem ramificações. C) Detalhe do pedículo ósseo em um crânio de um cervídeo. D) Chifres ramificados em um representante Cervidae. 

Ainda está confuso? É o típico: é igual, porém diferente, não é mesmo!? Embora chifres e cornos apresentem semelhanças superficiais é importante que se saiba que, embora ambos tenham em seu legado evolutivo, a função de ataque e defesa; os chifres estão muito mais relacionados aos processos reprodutivos como corte para fêmeas, por exemplo.

Criando analogias…

Embora com funções distintas, é possível afirmar, que para ambos os casos, quanto mais imponente; melhor! Uma dissociação bastante feliz aos infortunados homens ou mulheres denominados cornos ou chifrudos em virtude da traição dos seus parceir@s, não é mesmo? Afinal, agora que você entendeu as diferenças e o uso, consegue ver relação nessa conexão popular aos apêndices cranianos? De fato, não conheço a origem dessa atribuição (se você conhece não deixe de comentar e dividir conosco), mas o fato é que quase todo mundo, “conhece um amigo” (acontece muito!) que ganhou apêndices na cabeça em virtude de relações amorosas. Você pode ser o amigo e tem o dever de orientá-l@ tecnicamente sobre as diferenças. Afinal, aqui aceitamos cornos ou chifrudos, mas desinformados; jamais!

Um belo macho de veado-vermelho exibindo seu chifre enorme e ramificado. Ao fundo é possível ver as femeas; sem chifres
Macho de veado-vermelho (Cervus elafus) com seu belo chifre ramificado. É possível verificar, ao fundo, fêmeas ou jovens sem chifres
um grupo de bovinos exibindo belos cornos.
Cornos exuberantes em bovinos

Fixando conceitos com um pouco de humor…

Para ajudar nos argumentos e embasar o uso mais adequado dos termos, aproveito a apropriação popular para fixar alguns pontos de maneira descontraída: 1) uma vez corno, sempre corno! 2) Quem teve um chifre na vida, voltará a ter outros! 3) Cuidado ao dizer que a mulher é chifruda, isso está biologicamente errado, pois só os machos possuem chifres (veja a exceção no texto). 4) chifres tem ciclos: começam pequenos e se tornam complexos e mais pesados com o passar dos anos. 5) chifres estão mais intimamente associados à questão reprodutiva (pode ser uma traição com filhos, quem sabe?) enquanto cornos dão mais ibope para brigas (certeza que vai dar divórcio litigioso). Faça suas escolhas! rsrsrs

Caprinos usando os cornos durante disputa
Caprinos utilizando os cornos para disputa

Voltando à informação relevante…

Existem outros tipos de apêndices cranianos?

– Ossicones

Apesar de bem menos conhecidos, outros apêndices cranianos estão presentes na ordem Artiodactyla. Girafas possuem ossicones, que também são estruturas ósseas retas e permanentes. Ao nascimento, não há ossificação e o molde cartilaginoso é separado do crânio por tecido conjuntivo. A ossificação começa alguns dias após o nascimento em vários centros independentes deste tecido conjuntivo, alongando o ossicone. Em seguido os ossicones se fundem com o crânio através de uma protuberância, vão se mineralizando e ficando compactos. São cobertos por pele nas girafas e descobertos apenas no ápice em ocapis (Okapia johnstoni), ficando pontiagudos nesses animais. (Posso até imaginar você falando agora no zoológico: olha lá o ossicone daquela girafa! Que chique você!)

Duas girafas exibindo seus chifres denominados ossicones
Ossicone em girafas
Um ocapi exibindo seu chifre denominado ossicone
Ossicone em ocapi

-Cornos ramificados

E por fim, temos os cornos ramificados e decíduos, encontrados somente nas antilocapras, com um único represente vivo, Antilocapra americana. Diferentemente dos demais, eles são estruturas incomuns, uma mistura de corno e chifre. Consistem em uma bainha córnea sobre um núcleo ósseo (como nos antílopes), mas estas bainhas são bifurcadas nos machos e trocadas anualmente como nos cervídeos.

Uma antilocarpa descansando numa pastagem. Esses animais possuem um chifre direnciados. Uma espécie de corno, porém decíduo.
Cornos ramificados em antilocarpa

Os apêndices cranianos são mesmo estruturas impressionantes. Acredita-se que eles expliquem parte do sucesso da Ordem Artiodactyla: tão diversa, cosmopolita e abundante. Dito isso, entenda de uma vez por todas que chifres e cornos pela ótica e uso popular são, meramente, coisas que “colocaram na sua cabeça” (contem ironia), sem nenhuma fundamentação científica. Você conhecia essas diferenças? O mundo animal é mesmo fascinante. Cornos e chifres, ossicones e afins são estruturas nobres e possuem enorme relevância na sobrevivência na natureza. Ao menos, para a natureza não humana, um belo par de chifres ou cornos é motivo para muito se orgulhar!

Pergunta #1 Qual é a diferença entre chifres e cornos em animais?

Chifres e cornos são estruturas ósseas presentes nas cabeças de alguns mamíferos. Chifres são estruturas ósseas não permanentes que podem ou não se ramificar. Estão presentes nos machos dos cervídeos (com exceção da rena). Cornos são estruturas ósseas permanentes, não ramificadas projetadas diretamente do alto do crânio, – de ambos os sexos (usualmente)-, dos bovídeos.

Pergunta #2 Como os chifres e cornos crescem?

O pedículo ósseo aparece normalmente após o primeiro ano do animal. A partir dele, células ósseas de rápido crescimento vão se multiplicando e se mineralizando. Hormônios e outros sinais externos colaboram para que o chifre atinja o seu ápice e, igualmente, caia dele. Um tecido chamado velame protege o chifre durante seu crescimento. A deposição de queratina nos cornos vai acontecendo ao longo da vida do animal de forma contínua. Cornos não se desprendem do animal.

Pergunta #3 Qual é a função dos chifres e cornos em animais?

Chifres e cornos podem ter várias funções, como defesa contra predadores, competição por parceiros durante o acasalamento. Evidências evolutivas indicam que os chifres estão mais intimamente relacionados a processos reprodutivos, enquanto os cornos, para defesa e disputas territoriais

Pergunta #4 Os chifres caem?

Sim! Chifres caem! Possuem ciclos de crescimento e queda orquestrados, principalmente, pela testosterona. Cornos não! São estruturas permanentes com crescimento contínuo

Pergunta #5 Os chifres podem ser removidos de animais?

Sim, em alguns casos, os chifres e cornos podem ser removidos de animais domesticados ou em cativeiro por razões de segurança ou manejo. Esse procedimento deve ser feito com cuidado e, preferencialmente, por um profissional.

Pergunta #6 Galhadas e chifres são as mesmas coisa?

Usualmente o termo galhada é atribuído apenas para se referir aos chifres de veados que se ramificam. Algumas espécies de veados apresentam chifres simples que nunca apresentarão ramificações.

Referências

DeMiguel, D. et al. Key innovations in ruminant evolution: a paleontological perspective. Integrative Zoology. V(9): 412-433. 2014

Picavet, P.P & Balligand, M. Organic and mechanical properties of Cervidae antlres: a review. Vet. Res Commun. 2016.

Putman, R. The Natural History of Deer. Comstock Publishing Associates. A division of Cornel University Press. Ithaca, New York. p.191. 1988

Marina Xavier da Silva

Bióloga graduada em Ciências Biológicas pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Mestre em Ecologia pela Universidade de São Paulo – USP. Iniciou sua carreira no Parque Nacional do Iguaçu, no Paraná, onde trabalhou por 13 anos, nove deles dedicados à coordenação de um projeto para conservação da onça-pintada no Brasil e Argentina. Mãe da Lia e da Cléo.

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