A Ordem Artiodactyla é uma das mais diversas dentro do grupo dos vertebrados. Se você também tem dúvida sobre a ordem Certatiodactyla você não está no caminho errado. Leia o post para entender porque os dois nomes são válidos e podem ser utilizados. Ah! Mas se você ouviu alguma coisa associada a Ordem Perissodactyla, não se preocupe! Está tudo explicadinho no texto abaixo.

Agrupando as espécies por suas características comuns

Na biologia, uma combinação de especialidades, avalia, agrupa e reagrupa os seres vivos, por seus “jeitões” (simplificando bem as etapas que isso envolve). Temos os grupos dos peixes, dos fungos, das aves, dos insetos e por aí vai. Ocorre que, dentro dos grupos, muitas vezes fica difícil organizar as coisas. Neste post falaremos um pouco sobre um grupo específico e altamente diversificado de mamíferos. Talvez, o mais diversificado da Classe Mammalia.

Você provavelmente já viu esse cara aqui e disse: isso é um veado!

antilopes africanos da Ordem Artiodactyla descansam na sombra..
 
Antidorcas marsupialis (Bovidae) – cabra-de-leque.
Fonte: Acervo pessoal

E depois viu esse outro e falou: isso também é veado!

veado-campeiro com seu chifre ramificado. Ele também é um representante da Ordem Artiodactyla
Ozotoceros bezoarticus (Cervidae) – veado-campeiro
Fonte: cessão de Nupece

E aí veio um biólogo mala qualquer e disse: isso é um antílope e isso é um veado! A sentença está correta, mas o fato é que até os biólogos se confundem! Agora, aposto que você não olhou para um hipopótamo e disse: mas que carinha de primo do veado que ele tem!

Um hipopótamo também é um representante da Ordem Artiodactyla
Hipopótamo (Hippopotamus amphibius)

Se você acha que o assunto não rende o seu interesse, talvez eu te convença a ir um pouco mais além se eu te contar que esses caras aí de cima e as baleias também têm muita coisa em comum…E com porcos, camelos, girafas também!

Girafas africanas que pertencem a ordem Artiodactyla estão em meio a floresta africana. Dois animais, um mais alto que o outro, mais ao fundo, aparecem na imagem
Girafas africanas (Giraffa camelopardalis)
Warthog também pertence a Ordem Artiodactyla e aparece pastando na foto
Phacochoerus africanus – warthog

Que confusão!

Características e curiosidades da Ordem Artiodactyla

De fato, a reunião de bichos tão distintos num mesmo grupo é motivo de estudos e debates até os dias atuais. E não devo me aprofundar nessa discussão. Mas aquele provérbio que diz que são parecidos das pontas dos dedos até o último fio de cabelo parece caber bem para explicar algumas características/curiosidades da Ordem Artiodactyla. Nela estão contidos os mamíferos de dedos pares, um dos grupos animais mais bem sucedidos do planeta, com distribuição geográfica ampla (exceto Antártica, e até recente invasão, na Austrália) e ocorrência em ambientes diversos.

Parte desse sucesso, vem do aparato para serem bons corredores e conseguirem escapar dos predadores, condição alcançada em decorrência do alongamento dos ossos metatarsais e metacarpais (equivalente humano a sola dos pés e palmas das mãos, respectivamente) e redução no número de dedos. Esses animais centralizam o eixo do corpo no terceiro e quarto dedo, possuem redução ou perda variável de segundo e quinto dedos e perda do primeiro. Menos dedos, menos músculos e tendões e, portanto, maior otimização energética na locomoção. Os dois dedos, ficam ainda, protegidos por um casco fendido. Outras características completam a eficiência de fuga: olhos laterais, olfato e audição apurados.

imagem demonstrando o alongamento ósseos das pernas para favorecer a rápida corrida ao longo de anos de evolução da Ordem Artiodactyla
alongamento e fusão de ossos relacionados à locomoção; maior agilidade de locomoção
Simetria óssea dos dedos, centralizando o peso do corpo nos segundos e terceiros membros das patas. Evolução da Ordem Artiodactyla
Simetria do corpo passando pelo 2 e 3 dedos das patas. Maior equilíbrio na locomoção
Um antilope em perfil
 
Antidorcas marsupialis. Repare nos olhos laterais e nos cornos não ramificados
Fonte: Acervo pessoal

Artiodactilos domésticos

Os artiodátilos formam o grupo de animais mais intimamente associados aos seres humanos, seja pelo histórico de domesticação, seja pela apreciação para caça. São, em sua maioria, herbívoros, com exceção dos porcos que são onívoros e das baleias que são carnívoras. Apresentam compartimentalização do estômago, embora camelos, hipopótamos e porcos não sejam considerados ruminantes típicos, como os demais integrantes da Ordem.

Um bo com seus cornos encara a foto
Uma cabra da ordem Artiodactyla
porcos domésticos que também são representantes da Ordem Artiodactyla aparecem dormindo na imagem.
Representantes domésticos da Ordem Artiodacytla

**Apenas para destacar a distinção, a Ordem Peryssodactyla (zebras, cavalos e rinocerontes) agrupa os ungulados de dedos ímpares. Neles o peso dos animais fica centralizado no terceiro dedo, sempre maior que os demais, – quando existe mais de um.

Baleias pertencem a Ordem Artiodactyla? Como isso é possível?

Certo! Então já sabemos que os artiodáctilos se apoiam, de fato, nas pontas dos dedos. Mas…e as baleias? As baleias descenderam de um representante quadrúpede terrestre com casco, é por isso, que baleias, golfinhos e botos (cetáceos) se agrupam na Ordem, ou como alguns preferem chamar Cetartiodactyla; um táxon que agruparia cetáceos com mamíferos de dedos pares.

O fato é que estudos moleculares e morfológicos recentes comprovam a aproximação entre hipopótamos e baleias, sendo a organização evolutiva de todos estes mamíferos em questão (grau de parentesco e descendentes), ainda em discussão, embora já muito bem embasada cientificamente. E é assim, com a ajuda da evolução que a ordem Artiodactyla reúne veados, bois, cabras e ovelhas, porcos, camelos, girafas, antílopes, porcos, hipopótamos e baleias.

Você pode adotar qualquer um dos dois termos: Ordem Artiodactyla ou Certatiodactyla. A verdade é que existem artigos científicos suportando os dois termos, até o presente momento. É mais uma questão de se identificar com a defesa dos argumentos de cada um. O uso de um termo ou outro não excluí nenhum dos diversos animais que lá se agrupam.

uma mãe baleia e seu filhote nadando na superfície do mar. A baleia também pertence a Ordem Artiodactyla
Mãe baleia e seu filhote

Eu sei! Fica difícil acreditar na união de animais tão distintos juntos, mas isso é porque estamos olhando apenas para a história atual do grupo. Se acrescentarmos os fósseis e formos comparando as linhagens intermediárias, ao longo dos milhões de anos, começamos a “digerir” melhor a história. E eu não te dei esses subsídios aqui então fica em paz e acredita na força da evolução! Ela aqui terá que ser aceita como um unicórnio! Você terá que acreditar que ele existe e tem poderes mágicos! Para que não fique tão abstrato, veja essa imagem abaixo de linhagens fósseis da história evolutiva das baleias.

 a imagem mostra a representação ilustrativa do que teriam sido os ancestrais das baleias. É possível verificar que eram quadrupedes que, ao longo da evolução, foram diminuindo as patas até se aproximarem a um animal mais semelhante às conhecidas baleias
Evolução do corpo de um cetáceo ao longo de 10 milhões de anos. Do padrão mais antigo, o Pakicetidae, ao mais recente, Basilosauridae.
Fonte: Thewissen, J.G.M et al. From land to water: the origin of whales, dolphins and porpoises. Evo. Edu. Outreach. V(2): 272-288. 2009

Se você quiser entender mais sobre a evolução dos cetáceas, acesse o vídeo abaixo! Ele é super esclarecedor e profundo no tema

Viu só?! Sim! A evolução é fantástica!

Eu não estava brincando quando disse que a Ordem acolhe os unicórnios!

Mas se você acha que o unicórnio aqui é apenas uma figura de linguagem, enganou-se! Porque se tem uma Ordem capaz de agrupar um unicórnio, certamente seria a Artiodactyla! Você conhece este animal?

Imagem de um narval ou unicórnio do mar, como é popularmente conhecida essa espécie de baleia que também pertence a Ordem Artiodactyla
narval ou unicórnios-do-mar (Monodon monoceros)

A foto é de um narval ou unicórnios-do-mar (Monodon monoceros). E isso não é uma gozação. Esses animais são baleias e, portanto, pertencem ao grupo!! Este maravilhoso chifre, tão peculiar, é na verdade um canino espiralado hiper desenvolvido que se projeta para frente. Sim! O chifre do unicórnio [-do-mar] é na verdade um dente.

Desculpe acabar com o seu conto de fadas. Essa presa, extremamente longa, se projeta pelo lado esquerdo da mandíbula dos machos e vai crescendo ao longo da vida. Unicórnios-do-mar são muito bizarros e para adicionar mais fantasia, vivem junto com o Papai Noel: no Ártico. Vamos combinar que não faltam memes para um bicho desse, não é? Se quiserem que eu fale mais sobre eles; deixem um comentário ao final deste post.

Ordem Artiodactyla e seus representantes chifrudos

Mas já que tocamos no assunto chifre, vamos falar sobre outro aspecto interessante da Ordem Artiodactyla. Você provavelmente já olhou para um boi ou uma vaca e disse: olha só o chifre dela!! E da cabra ou do bode e por aí vai. Mas será que é chifre mesmo? Se você pensou em um dente (guarde essa alucinação só para você e disfarce), eu me referia à opção corno. Sabe a diferença entre eles?

Cervos pastando exibindo seus belos chifres ramificados
chifres em um representante Cervidae
uma cabra exibindo seu belo corno curvado
corno em um representante Bovidae

Chifres e cornos são apêndices cranianos. Chifres são ossos que crescem a partir de um pedículo no alto do crânio, com ocorrência apenas nos cervídeos (veados, cervos, renas) que podem ou não serem ramificados, sendo substituídos periodicamente. Cornos são permanentes, não ramificados e cobertos por uma bainha de queratina. São encontrados nos bovídeos (cabras, bois, impalas, gazelas). Existem outros dois tipos de apêndices cranianos no grupo: os ossicones em girafas que também são estruturas ósseas retas e permanentes e os cornos ramificados e decíduos, encontrados somente nas antilocapras (Antilocapra americana). 

Uma postagem bem mais detalhada sobre os apêndices cranianos já existe. Basta clicar no link para ter acesso.

Esqueleto do cervo irlandes. Representante da Ordem Artiodactyla extinto e que possuía o maior cfifre do mundo animal. O esqueleto está exposto em museu
Fóssil de Megaloceros giganteus (veado irlandês) presente no Museu de História Natural de Washington D.C. Exibição de um belo exemplar de chifres, presente no extinto veado-irlandês.
Fonte: By Postdlf, CC BY-SA 3.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=245735

Agora você já tem mais embasamento para distinguir veados dos antílopes: nossa provocação inicial. Lembre-se que somente os chifres se ramificam. Ficará muito mais fácil para distinguir esses ungulados daqui para frente! E agora você já sabe também que embora muito diversos, os artiodátilos se associam por caracteres que vão desde as pontas dos pés (literalmente) até o último fio de cabelo, ou talvez um chifre ou corno.

Referências

Agnew, D. Camelidae. Pathology of wildlife and zoo animals. Chap. 7. 2018.

de Miguel, D et al. Key innovations in ruminant evolution: a paleontological perspective. Integrative Zoology. V(9): 412-433. 2014

Spaulding, M et al. Relationships of Cetacea (Artiodactyla) among mammals: Increased taxon sampling alters interpretations of key fossils and character evolution. Plosone. V (4), p: 1-14. 2009

Thewissen, J.G.M et al. From land to water: the origin of whales, dolphins and porpoises. Evo. Edu. Outreach. V(2): 272-288. 2009

Marina Xavier da Silva

Bióloga graduada em Ciências Biológicas pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Mestre em Ecologia pela Universidade de São Paulo – USP. Iniciou sua carreira no Parque Nacional do Iguaçu, no Paraná, onde trabalhou por 13 anos, nove deles dedicados à coordenação de um projeto para conservação da onça-pintada no Brasil e Argentina. Mãe da Lia e da Cléo.

1 comentário em “ORDEM ARTIODACTYLA: ANIMAIS DE CASCOS, RUMINANTES, BALEIAS E UNICÓRNIOS”

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