O QUE ACONTECE QUANDO A RAINHA MORRE? ELIZABETH II versus ABELHA COMUM

A rainha morreu! Recentemente e exatamente dia oito de setembro de 2022, o mundo parou para se despedir da rainha Elizabeth II. Entenda o que acontece quando a rainha morre: na monarquia inglesa e na sociedades complexa das abelhas.

Rainha Elizabeth II

As etapas da sucessão ao trono

O que acontece quando a rainha morre na monarquia?

Para além do legado como mulher, sua história, sua família, sua popularidade, a morte da rainha têm consequências práticas dentro de um sistema monárquico. É necessário nomear imediatamente um sucessor, protocolos e rituais precisam ser cumpridos e todo um processo político precisa ser restabelecido, ainda que em caráter consultivo e simbólico, comparativamente a uma monarquia absolutista. Assim, seguindo todos os protocolos, é de se esperar que um dado reinado familiar se perpetue, com mais ou menos popularidade, mantendo rituais e formalidades históricos.

O que acontece quando a rainha morre na sociedade das abelhas?

A versão animal de morte da rainha, em se tratando de rainha abelha em sua sociedade particular e especificamente para Apis mellifera, tem pouca similaridade com a versão monárquica. A começar, digamos, pela longevidade do anúncio, já que uma rainha Apis, vive não mais que dois anos. Fui meio maldosa na minha primeira escolha comparativa né? Nada obviamente de cerimonial formal para anúncio de morte. Aliás a versão animal está mais para falta de sinal mesmo, já que a rainha exerce um papel de dominância química (principal sistema de comunicação entre as abelhas) na sua colmeia. Quando a rainha morre, não há mais a presença de feromônios que indiquem a presença dela, e então uma princesa se torna uma nova rainha. Nada de seguir sucessão de herdeiros mais velhos ao trono. A nova rainha será sempre fêmea e este é um processo nada glamoroso como na realeza inglesa.

Uma colmeia de abelhas Apis mellifera com favos cheios de mel

As princesas assumem o posto

As princesas da colmeia, são rainhas virgens potenciais, ou seja, não foram fecundadas por nenhum macho, mas possuem algumas regalias como alimentação diferenciada, um dormitório mais espaçoso, as células reais, construído pelas operárias e feromônios para atrair machos para um voo nupcial. Quando a rainha deixa a colmeia para construir uma nova (enxameagem) ou é morta ou envelhece, as princesas voam para encontrar um macho e, depois de fecundadas, assumir o trono ou o trono antigo, já que a rainha que sai da colmeia para iniciar uma nova. Ocorre que há um fardo bastante pesado em ser princesa (de abelha). Isso porque se elas forem desnecessárias, seja porque a rainha da vez é tipo longeva e não larga o trono como a Elizabeth II, seja porque não houve divisão da colmeia para construção de uma nova; as operarias expulsam as princesas para fora da colmeia. E, caso elas se recusem a sair, serão nada mais nada menos, que decapitadas.

uma abelha solitária se alimentando em uma flor

É a versão descontruída de princesa! Aliás. Na colmeia é tudo feito por elas (típico né?): defesa, limpeza, construção de ninhos, coleta de alimento. Machos só ficam ali, esperando para morrer de amor. Ou nem isso! Só morrer mesmo. Se não fizerem nadinha podem viver por aproximadamente 80 dias. Se optarem pela cópula, terão uma morte trágica e imediata em virtude do rompimento do órgão genital que fica preso no abdômen da fêmea. Tá achando que desgraça pouca é bobagem? Na cultura das abelhas a dramaturgia fez escola! Rainhas fêmeas que não forem boas obstante: leia-se não puserem cerca de dois mil ovos dia, por exemplo, serão mortas pelas súditas. O cargo é vitalício, os poderes absolutos, tudo é gerenciado e controlado por ela, incluindo a quantidade de abelhas por castas e sexos, e apesar de nutrida por geleia real, trabalham o tempo todo no escuro, sem parar.

Sobram as operárias, – a maioria da colmeia -, com atividades diversificadas ao longo da vida. Enquanto jovens executam tarefas internas como construção dos ninhos, limpezas e cuidado das larvas. Quando mais experientes passam a forragear para fora da colmeia para trazer o alimento. Parece divertido, não? Operárias de Apis, todavia, dão a vida pela colmeia. São estéreis, nunca copulam e se precisarem defender a colmeia, utilizarão seus ferrões e morrerão na sequência em virtude do desprendimento de parte do sistema digestivo.

Governabilidade excepcional!

Sim! Eu dei um tom dramático a narrativa. A verdade é que existe muita ordem e cooperação; orquestrado por um eficiente sistema de comunicação (feromônios), tão funcional, quanto excepcional. No mínimo, invejável, em termos de governabilidade e coletividade.  

Curiosamente, existe uma tradição da monarquia inglesa em anunciar às colmeias sobre a morte da rainha/rei. Procure se informar a respeito deste curioso fato aqui. Não tenho uma opinião claro sobre isso. Na verdade, não parei para pensar muito a respeito dessa tradição. De forma bem superficial entendo como parte da dramaturgia da “monarquia” como outros tantos rituais. Neste sentido, abelhas e monarcas estão quites. Eu enalteço o lado respeitoso, à moda inglesa, a esses seres vivos tão fundamentais na natureza.

abelhas reunidas em torno das células da colmeia

Em tempo. Ainda que extremamente privado e sem pompa e circunstância, a morte da rainha abelha, extrapolando para a representação dela como espécie, tem consequências muito mais impactantes para a humanidade mundialmente, do que à rainha Elizabeth II, obviamente sem entrar no mérito dos seus feitos e popularidade.

Referências

www.abelha.org.br

Marina Xavier da Silva

Bióloga graduada em Ciências Biológicas pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Mestre em Ecologia pela Universidade de São Paulo – USP. Iniciou sua carreira no Parque Nacional do Iguaçu, no Paraná, onde trabalhou por 13 anos, nove deles dedicados à coordenação de um projeto para conservação da onça-pintada no Brasil e Argentina. Mãe da Lia e da Cléo.

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