A minha filha de 3 anos soltou minha mão na saída da escola e correu para pegar uma flor de flamboyant vermelho lindamente intacta, caída a frente da escola. Quando eu reparei nos detalhes da flor eu entendi porque ela teve essa atração súbita e espontânea.
Foi por conta deste gesto que escrevo essa pequena história. Ou melhor; transcrevo aquilo que o flamboyant me contou. Vejam vocês.
Até aquele momento, os flamboyants se resumiam a árvores vermelhas ou laranjas, tão intensamente vermelhas ou laranjas que eu só podia imaginar quão bem sucedida na atração de polinizadores, sobre as demais árvores floridas da mesma estação, elas seriam.
Afinal, durante alguns meses do ano, a árvore é notoriamente distinguível pela exuberância de coloração da abundante florada, até mesmo para os nossos olhos meio distraídos e tolos. Mas essa versão do todo se desfez naquela flor individual. Ali, observei que a flor é, na verdade, simétrica e ornamentada por uma pétala central, apropriadamente chamada de estandarte, que tem um padrão branco, amarelado e alguns salpicados que são as guias de néctar.
Ou seja: ok! Sim eu sou toda vermelha ou laranja, mas como eu poderia sinalizar aos polinizadores onde eles deveriam ir nessa imensidão de cor? Sim! A danada da pétala ímpar de coloração diferenciada funciona como guia para pouso dos operadores de reprodução; vulgo polinizadores! É na sua base que reside o suco açucarado tão cobiçado pelos insetos.
Curiosa que sou passei a observar os polinizadores que se aproximavam e, notei duas coisas que me chamaram a atenção. A primeira delas é que eu não conseguia fotografar os insetos, em sua maioria abelhas e borboletas. As visitas eram brevíssimas, não havia pouso e logo eles partiam para outra flor, sem me dar chance de registro.
A outra coisa é que a tal da pétala estandarte estava enrolada em muitas das flores, ou seja, o padrão não ficava mais evidente.
Joguei um google schoolar e logo apareceram os maravilhosos artigos científicos! Ali consegui as repostas que eu buscava que aqui compartilho. O artigo esclarecia as estratégias da planta para atrair polinizadores eficientes.
Entre as estratégias destaco as que se relacionam com as minhas observações. A primeira delas é que a parte reprodutiva da flor (aquela parada de androceu e gineceu que aprendemos nos ensino médio) estão posicionados longe do néctar, o que indica que os insetos maiores devem fazer melhor o serviço reprodutivo da planta.
Então embora as abelhas façam visitas a flor, as borboletas e mariposas são as verdadeiras queridinhas. Ao voar por sobre a flor e projetar sua língua comprida para alcançar o néctar a borboleta consegue transferir o pólen para a região da flor que tem óvulo. E por que elas não pousam??
Elas não pousam porque a ofertar de néctar, por flor, é muito pequena. Ou seja, elas não ficam saciadas e buscam outra flor e outra flor e por aí vai. Ao voar por sobre a flor (sem pousar e sem me dar chances para meus registros) ela garante ainda mais essas transferência! Lindo não?? Mas não para por aí.
A pétala estandarte se fecha para indicar que, naquela flor, o néctar não está mais disponível!!! Paraaaa tudo!!!! É ou não é um grande exemplo de generosidade a serviço da existência e permanência neste planeta??
Ahh… evolução, sua linda!
Eu não sei quando você vai ler este artigo, mas se você chegou até aqui, sugiro que você observe mais atentamente às arvores floridas. Observe à disposição das flores, a morfologia, coloração, horário de abertura das flores e até seus polinizadores. Há tantas belezas escondidas nessa observação cuidadosa. Sabe outra coisa que a gente não vê com facilidade?
A potencia da generosidade! Nada mais ilustrativo que flor de flamboyant para nos dar uma pequeno exemplo de como a sutileza orquestra grandiosidades.
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Referências
Chandar, G. S., & Atluri, J. B. Pollinators and its behavior on Delonix regia (Boj. Ex Hook) Raf.(Family: Caesalpiniaceae). 2016
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Marina Xavier da Silva
Bióloga graduada em Ciências Biológicas pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Mestre em Ecologia pela Universidade de São Paulo – USP. Iniciou sua carreira no Parque Nacional do Iguaçu, no Paraná, onde trabalhou por 13 anos, nove deles dedicados à coordenação de um projeto para conservação da onça-pintada no Brasil e Argentina. Mãe da Lia e da Cléo.