MONITORAMENTO DE JAGUATIRICA

Em 2014, no âmbito do Projeto Carnívoros do Iguaçu, – um projeto dedicado a pesquisa e conservação da onça-pintada (Panthera onca) no Parque Nacional do Iguaçu -, realizamos algumas campanhas de capturas para carnívoros de porte médio.

Neste conceito, de médio porte, incluem-se todos os carnívoros abaixo das onças: jaguatiricas, gatos-do-mato, quatis, iraras, mão-pelada e por aí vai. Por serem, talvez, um pouco mais fáceis de serem capturados, podem nos ajudar a responder perguntas ecológicas num universo maior de entendimento.

Ocorre que essa facilidade, é por vezes, só teórica. Já que longos períodos com nenhuma captura e uma dose generosa de paciência continuam dominando o contexto captura de animais em vida livre: grandes, médios e pequenos.

Nesse cenário de nenhuma captura por dias seguidos, estávamos nós da equipe do Projeto e alguns estudantes de biologia e medicina veterinária. Os acadêmicos realizavam estágio e juntos tentávamos manter os ânimos e encarar a falta de adrenalina de uma captura e os dias frio do inverno paranaense.

Por mais difícil que fosse, algo nos movia e nos enchia de esperança a cada saída de checagem de armadilhas. Não tem nada mais divertido que uma ótima equipe de campo. Que trabalha pelo coletivo e reclama pouco. Aquela turma de estudantes merecia! Eram dedicados e toparam todas as maluquices que propusemos durante o tempo no Parque.

Certa manhã, a sorte virou a nosso favor e um bicho amarelo com pintas preenchia a armadilha. Uma jaguatirica!! Uma bela e formosa fêmea de jaguatirica. Pronto! Aquela equipe tinha uma captura real e merecida. Um bicho para manipular, aprender sobre doses anestésicas, sobre procedimento de aproximação e contenção. Biometria, medição de parâmetros vitais, sangue e demais materiais para serem coletados.

E assim o fizemos! Mãos a massa e lá estava o animal devidamente contido, anestesiado e monitorado pela equipe. Recebeu carinhosamente o apelido de Jaborandi: arbusto comum no local onde deixamos a armadilha.

Jaborandi também recebeu um pequeno colar VHF e isso permitiria mais um novo aprendizado aos estudantes. Aprender a monitorar os sinais emitidos pelo colar do animal no campo.

Para entender melhor porque capturamos e marcamos os animais, leia esse post aqui.

Agora, além de checagem das armadilhas, tínhamos adicionalmente, o compromisso de monitorar a Jaborandi. Por ser um animal noturno, era preciso fazer isso a noite, tarefa essa que dava um toque extra de adrenalina e parceria naquela turma animada e pronta para tudo.

Jaborandi, infelizmente, viveu pouco. Alguns meses após a sua captura ela foi encontrada atropelada fora dos limites do Parque. Nós já havíamos perdido os sinais do seu colar na ocasião do atropelamento, mas durante todo tempo que conseguimos acompanhar suas andanças pela floresta; ela sempre se manteve dentro do Parque. Foi um grande choque termos esse desfecho.

Jaborandi viveu pouco, mas o suficiente para impactar a vida daqueles estudantes. Uma, em especial, acabou por render uma linda homenagem à Jaborandi, tempos depois, tatuando ela no braço. A tatuagem ficou linda e eu, extremamente emocionada.

Saber que aqueles estudantes tinham dedicado suas férias, o conforto dos seus lares para vivenciarem a prática da profissão conosco e, saber que tiveram o privilégio de capturar e acompanhar um bicho na natureza e, por outro lado, uma jaguatirica tão linda e saudável, que nos brindou com sua ecologia, tinha o desfecho que tantos outros animais possuem. Abreviam sua vida tentando conviver com os humanos.

Fico feliz que ela tenha tido a sorte de ser uma jaguatirica de um Parque Nacional por um certo tempo e ter a certeza que o Parque cumpria sua missão protetiva. Fico feliz que a tenhamos conhecido intimamente. Fico feliz por cada memória do despertador tocando para a gente ir atrás dela de madrugada. Feliz com os estudantes que tiveram a vivência prática da rotina profissional.

Fico feliz de ver a jaguatirica tatuada no braço da querida estudante; hoje já uma excelente profissional. Mas feliz mesmo eu ficaria se a Jaborandi seguisse sendo monitorada e, eventualmente, observada, por outros tantos estudantes que passaram por lá depois. Ela como uma jaguatirica feliz de um belo Parque Nacional e nós na feliz missão de conhecer para poder conservar!

Marina Xavier da Silva

Bióloga graduada em Ciências Biológicas pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Mestre em Ecologia pela Universidade de São Paulo – USP. Iniciou sua carreira no Parque Nacional do Iguaçu, no Paraná, onde trabalhou por 13 anos, nove deles dedicados à coordenação de um projeto para conservação da onça-pintada no Brasil e Argentina. Mãe da Lia e da Cléo.

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