JURUVA – FORMOSA AVE NEOTROPICAL
Juruvas constroem tocas como tatus
Aqui no blog falamos anteriormente sobre o tatu e por motivos que vocês entenderão em breve, falar sobre eles me remeteu a escrever sobre a espécie de agora. Imagine-se andando na floresta e encontrando uma toca de tatu. Agora, repare em todo o contexto ao redor da toca. Há alguma pegada ou outra evidência de um tatu por perto? Você sabia que os rastros (pegadas, fezes, arranhões etc) deixados pelos mamíferos são uma das principais ferramentas de estudos dos pesquisadores de campo? Quem diria que pés e cocôs dos bichos mereceriam tanto a nossa atenção, não é mesmo?
Eis então que você observa um galho alto cheio de terra na frente da toca. Um galho cheio de terra deixado por um bicho que pousou nele com as patas cheias de terra. Mas como seria possível, um tatu pousar num galho tão fino e alto assim? Pois não é que nem só de tatus vivem as tocas (rsrs)!? A toca em questão foi feita por uma ave linda chamada juruva (Baryphthengus ruficapillus). Ela até pode aproveitar a toca desativada de um tatu, como também pode construir a sua própria e lá dentro colocar seus ovos. Aliás, tocas feitas por tatus e juruvas e demais animais construtores na natureza podem ser utilizados por outros animais, como lagartos, roedores etc.
Características das juruvas-verdes
Agora, devo confessar que não é só pelo comportamento curioso deste animal que dedico este espaço à juruva. É quase uma retribuição à visão maravilhosa que tive desta ave no Parque Nacional do Iguaçu, quando cheguei lá para trabalhar em 2004. Ela estava pousada no meio da floresta na trilha que leva às Cataratas do Iguaçu. Era minha primeira vez andando naquela trilha. Primeira vez que eu veria as mundialmente famosas Cataratas e, confesso, embora tenha ficado embasbacada com elas, eu jamais esqueci a pose da juruva ali. Eu não tinha conhecimento sobre esta espécie até vê-la lá. Juruvas-verdes não são tão pequenas assim para uma ave. Elas possuem 42 cm de comprimento, tem um bico relativamente grande para se alimentar de grandes insetos, moluscos, pequenos vertebrados e alguns poucos frutos. E suas cores, sua máscara negra, cauda comprida e pose completavam a imagem imponente de um bicho que certamente sabia que encantava.
Taxonomia e espécies com ocorrência no Brasil
As juruvas são aves pertencentes a Ordem Coraciiforme, família Momotidae, de ocorrência neotropical. Ao todo são reconhecidas 14 espécies na família, sendo quatro com ocorrência no Brasil: Momotus momota spp. com ocorrência na Venezuela, Suriname, Guiana Francesa, Colômbia, Peru, Equador, Bolívia, noroeste da Argentina, Paraguai, Amazônia, centro oeste e sudoeste do Brasil, Electron platyrhynchum e Baryphthengus martii spp. presentes em parte da América Central, Honduras, Equador, Colômbia, Bolívia e Amazônia brasileira e B. ruficapillus com ocorrência desde Goiás e sul da Bahia até o Rio Grande do Sul, além das regiões limítrofes da Argentina e leste do Paraguai.
Curiosidades sobre as juruvas
Entre as 14 espécies de juruvas; todas com coloridos exuberantes, destacamos a presença da cauda em forma de raquete em algumas espécies (inexistente na juruva-verde). As penas da cauda não nascem desse jeito, mas se moldam com o tempo devido a abrasão com o substrato. Quando este padrão é existente em uma dada espécie, ele ocorre tanto nos machos, quanto nas fêmeas.
Juruvas com padrão híbrido de coloração? Entenda o motivo
Hibridização, – um fenômeno razoavelmente comum em aves -, já foi confirmado para algumas espécies de juruvas, inclusive entre gêneros distintos. Isso ocorre porque há grande sobreposição na distribuição geográfica dessas espécies. Vale ressaltar que híbridos foram registrados no limite da distribuição geográfica de alguma das espécies combinantes, sustentando a hipótese de que a raridade de parceiros sexuais de uma dada espécie versus a abundância da outra, seja a razão para a ocorrência de cruzamentos. Os híbridos apresentam padrões de cores mesclados de ambas as espécies genitoras.
Comportamento das juruvas
Juruvas usualmente vivem sozinhas ou em pares. Constroem seus ninhos em tocas onde colocam de 3 a 4 ovos. Costumam ficar paradas em galhos e movimentando a cauda de um lado para outro. Vocalizam no crepúsculo ou ao amanhecer e o canto se assemelha ao das corujas.
Pronto! Agora você sabe um pouco mais sobre essas majestosas aves neotropicais e também que nem toda toca pertence a um tatu e nem todo canto, ao escurecer; a uma coruja!
Referências
Cerqueira, P.V et al. Two intergeneric hybrids between motmots from the Amazon forest: Rufous Motmot (Baryphthengus martii) x Amazonian Motmot (Momotus momota). Ornithlogy Research. 2020.
David W. Winkler, Shawn M. Billerman, and irby J. Lovette. Published March 4, 2020. In birdsoftheworld.org
Marcondes, R.S et al. Occurrence of hybrids between Momotus momota and Baryphthengus ruficapillus (Momotidae) in central Brazil. The Wilson Journal of Ornithology. V. 125. N. 3. 2013.
Marina Xavier da Silva
Bióloga graduada em Ciências Biológicas pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Mestre em Ecologia pela Universidade de São Paulo – USP. Iniciou sua carreira no Parque Nacional do Iguaçu, no Paraná, onde trabalhou por 13 anos, nove deles dedicados à coordenação de um projeto para conservação da onça-pintada no Brasil e Argentina. Mãe da Lia e da Cléo.