Já parou para pensar como é possível ocorrer a quebra de chifres; uma estrutura óssea, tão majestosa presente nos cervídeos e, da mesma forma, ressurgir tantas vezes na cabeça de um mesmo indivíduo ?
(Se você quer saber mais sobre a estrutura e diferenças entre chifres e cornos, volte aqui).
Fatores externos que guiam o crescimento após a queda dos chifres
Bem, primeiramente é preciso esclarecer que os chifres não surgem enormes e majestosos logo após a queda, mas é verdade que a cada ciclo de queda dos chifres ele tende a ressurgir mais complexo (nem todas as espécies seguem este padrão). Parte dessa capacidade vem das características de crescimento ósseo (ou propriamente dos tipos de células ósseas que compõem os chifres), capazes de se multiplicar rapidamente, crescendo de 2 a 4 cm por dia e chegando a 14 quilos em 6 meses.
É um dos tecidos com crescimento mais rápido no reino animal. Para atingir esse feito, pesquisas mostraram que o conteúdo mineral aportado para este rápido crescimento é o mais baixo entre todos os tecidos ósseos, porém com alto teor de colágeno o que resulta em força de baixo rendimento, duas a três vezes menos rigidez comparativamente ao osso cortical humano. Tem maior escalabilidade, porém mais capacidade de fratura.
O pedículo ósseo, de onde nasce o chifre propriamente, começa a aparecer no crânio dos machos de veado, após o primeiro ano de vida (aproximadamente). Nesse momento, nada é perceptível, pois tudo isso ocorre abaixo da pele do animal. Quando estrutura de um chifre começa a surgir, um revestimento protetor denominado velame, altamente capilarizado, encobre toda a estrutura.
Quando finalmente maduro, ocorre a supressão da vascularização dessa camada bem na base do pedículo. O velame seca e cai, deixando o chifre maduro exposto. Muitas pessoas estranham a aparência do animal nessa fase, pensando se tratar de alguma má formação, quando na verdade, é só uma ilustre “cortina” prestes a exibir o grandioso espetáculo. Forcei? Talvez! Mas posso garantir que para um jovem macho de veado, a sensação deve ser mais ou menos essa. Após certo período (variável entre espécies) o chifre cai, rompendo-se novamente na base do pedículo.
Fatores internos e do ambiente com influência na queda dos chifres
Uma vez compreendido todo esse processo externo e visual, é preciso saber quem é o comandante dessa energética operação para o animal. Vários hormônios, mas principalmente, a testosterona é o grande responsável por orquestrar todo o ciclo de crescimento e queda. É por isso que fêmeas não possuem chifres, com exceção das renas (Rangifer tarandus)**, já que a quantidade desse hormônio é insuficiente para estimular o crescimento. Mas ele sozinho não garante tudo. É preciso que além de produzir doses “normais” desse hormônio, o animal também tenha acesso a alimentação de qualidade e boa saúde, de um modo geral.
Periodicidade do ciclo
Com condições adequadas de saúde, a testosterona é influenciada também por um fator externo: o fotoperíodo. Em lugares com sazonalidade bem definida a periodicidade de ciclo do chifre é bem sincronizada entre indivíduos e populações. Nos locais com pouca mudança de estação, como na região tropical, o ciclo de chifre pode levar bem mais que um ano, sem sincronismo na população.
Padrões de chifres existentes
Chifres são espécie-específicos, porém apresentam grande variedade intraespecífica e durante todo o ciclo de existência no animal. Nenhum chifre é exatamente o mesmo, nem mesmo o direito e o esquerdo do mesmo animal. Apesar das diferenças, podemos reunir alguns padrões em 3 morfotipos: Tipo 1) reúne os cervídeos com chifres simples, pouco ou não bifurcados (Mazama, Pudu, Elaphodus, Hippocamelus). Tipo 2) Reúne os cervídeos com chifres de 3 pontas (Axis, Rusa, Capreolus, Ozotocerus). Tipo 3) reúne os morfotipos mais complexos ou palmados (Cervus, Blastocerus, Dama, Elaphurus, Rangifer,…) com mais de 3 pontas.
Chifres gigantes para um veado gigante!
Está surpreso com tamanha variedade de chifres? Bem, não poderíamos encerrar esse tema sem fazer justa menção ao chifre mais memorável já existente, ou melhor, ao kit completo: veado e chifre. Seria injusto encerrar sem mencionar o extinto e gigante veado-irlandês (Megaloceros giganteus). Faça suas buscas na internet para ver algumas imagens ou reproduções sobre esse belo animal, – já que uso apenas imagens onde posso citar a fonte para divulgá-las aqui. Apesar do nome, o veado-irlandês não é exclusivo deste país. Como um representante do Pleistoceno, habitou a Europa, Ásia e África se tornou extinto a aproximadamente 11 mil anos em virtude de mudanças climáticas.
Ainda que não tenhamos mais este belo animal entre nós, não nos falta exemplos dignos de apreciação. Se você gostou desse conteúdo e quer saber mãos sobre outros aspectos curiosos, tais como: quem tem o maior chifre? E o menor? Existe algum veado sem chifre? Siga para a próxima postagem!
Agora se você quer saber mais sobre os cervídeos brasileiros, acesse o Núcleo de Pesquisa e Conservação de Cervídeos (Nupecce), vinculado a UNESP de Jaboticabal.
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Referências
Heckeberg, N. S. Origination of antlerogenesis. Journal of Morphology 00: 00-00. 2016
Gould, S. J. The origin and function of “bizarre” structures: antler size and skull size in the “irish elk”, Megaloceros giganteus. Evolution. V(28): 191-220. 1974
Picavet, P.P & Balligand, M. Organic and mechanical properties of Cervidae antlres: a review. Vet. Res Commun. 2016.
Putman, R. The Natural History of Deer. Comstock Publishing Associates. A division of Cornel University Press. Ithaca, New York. p.191. 1988
Marina Xavier da Silva
Bióloga graduada em Ciências Biológicas pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Mestre em Ecologia pela Universidade de São Paulo – USP. Iniciou sua carreira no Parque Nacional do Iguaçu, no Paraná, onde trabalhou por 13 anos, nove deles dedicados à coordenação de um projeto para conservação da onça-pintada no Brasil e Argentina. Mãe da Lia e da Cléo.