UM ÓTIMO DIA PARA MORRER UM GATO

-AcordAAA! – diz o gato

Ou (debruçando e espiando para dentro do copo)

– O que é isso que você tá tomando? Você sabe que eu adoro isso (leite), não é mesmo?

Ou

– Hey!? Você me esqueceu aqui!! (acenando apenas com a ponta da pata embaixo do lençol)

(…algum tempo depois)

– Mãe! Você prega o braço do gato, por favor?

(…outro tanto de tempo depois)

– Me deixa dormir, diz o gato se aconchegando no sono do único olho que lhe resta

Ou

– kkkkkkk, rindo o riso de gato que já não tem mais boca aparente

A cada temporada de vida de gato da filha tenho menos recurso nele: lhe enrijeci um braço suturando-lhe grosseiramente o ombro. Seu recheio murcho já não lhe dá a mesma vivacidade de movimentos que antigamente, mas ainda assim; não há sinais de morte do gato!

Muito ao contrário

tudo referente a ele

é a antítese de morte

O gato é pura vida!

O gato é o que há de mais belo e leve na infância

Dela e minha!

O gato só levanta a cabeça e pronto

lá está ela naturalmente imersa na brincadeira

rindo o riso de criança feliz

mergulhando, sem volta, na fantasia

ufa!

como isso é bom

Eu padeço de um mal de ansiedade, confesso

A cada aniversário dela, temo que seja

Um ótimo dia para morrer um gato!

UM ÓTIMO DIA PARA MORRER UM GATO (O maldito tem sete vidas mesmo!)

Meu primeiro dente mole! Exclamou Lia choranrindo, num misto de contentamento e susto

A notícia nos pegou sem misto de nada!

Foi uma surpresa e ponto final

Lia tem cinco anos e apesar de saber que ela está no

                                               TEMPO CERTO

de começar a perder os dentes de leite nós rapidamente sabíamos o que a notícia preconizava

É justamente sobre o

                                                TEMPO CERTO

das coisas

É justamente sobre o modo

                                                IMPLACÁVEL

como o

TEMPO opera

Eu sei

É lindo vê-las crescer!

Não é sobre a ausência desse sentimento

É sobre o solavanco que recebemos, à contragosto, nesses marcos

TEMPORAIS

da vida

Em milésimos de segundos processamos a notícia relacionando

                                    TEMPO e espaço

a cada espaço maior na boca                                     MENOS TEMPO do sorriso infantil habitual

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