Conheça um pouco mais sobre as características do sapo-martelo (Boana faber) que é, na realidade, uma espécie de perereca e cujo canto é tão peculiar! Mas não se deixe enganar, leia o artigo e conheça outras curiosidades desse animal!
Por que os anuros cantam?
Quando as luzes se apagam é preciso ter estratégias mais ousadas para sobreviver na selva. Pode parecer naturalmente fácil se esconder, mas um pouco mais complicado de encontrar. Neste contexto onde o visual parece muito pouco funcional, faz-se necessário atrair a atenção de outra forma. Cantar parece uma opção interessante, principalmente para as espécies que só precisam deste recurso para realizar uma função específica evitando chamar a atenção para si na maior parte do tempo.
Anuros (sapos, rãs e pererecas) são, em sua maioria, habitantes noturnos nos ambientes naturais em que vivem. Obviamente existem espécies diurnas, mas para estas o canto pode não ser a única forma de comunicação. Para as noturnas, cantar é preciso! E, neste sentido, o repertório vocal entre as diferentes espécies é amplo e cheio de peculiaridades. Acesse o vídeo para escutar a vocalização do sapo-martelo
Já ouviu falar de canto de agonia?
Aliás, é a partir da vocalização que muitas espécies de anuros são reconhecidas, encontradas e estudadas pelos pesquisadores. Mas não se deixe enganar. Essa não é uma tarefa simples. Muitas espécies, mesmo vocalizando, conseguem permanecer imperceptíveis aos olhos treinados de um pesquisador.
Para os anfíbios anuros, o canto está fortemente – embora não somente – relacionado aos eventos reprodutivos. Ou seja, machos vocalizam para atrair potenciais parceiras e sinalizar seu “poder” reprodutivo também para outros machos. Um outro canto já descrito para muitas espécies chama-se, canto de agonia, executado nas situações de estresse e necessidade de fuga, como a mordida de um predador, por exemplo.
Vocalização e reprodução: vale a pena correr o risco?
Vocalizar parece resolver todos os problemas, mas tem alto custo para o animal. É necessário combinar o custo energético envolvido com a eficiência na atração das fêmeas, versus evitar predação e repelir outros machos. Não à toa, os animais adotam estratégias reprodutivas para que o sucesso da vocalização ocorra no máximo de chances de uma prole bem sucedida. Isso mesmo!
Para muitas espécies é possível se reproduzir o ano todo, ou seja, não dependem tanto da sazonalidade para o sucesso da prole. Para outras, entretanto, a reprodução é um evento único e a espécie dá tudo de si para que a reprodução ocorra em um tempo específico ótimo para ela. Para a grande maioria das espécies tropicais, o evento reprodutivo depende fortemente do período das chuvas para ocorrer.
Mas o sapo-martelo é sapo mesmo?
O sapo-martelo (Boana faber) que na verdade é uma perereca (repare nos discos adesivos nas pontas dos dedos, abaixo), além de possuir uma vocalização bastante curiosa por se assemelhar a batida de um martelo numa bigorna, constrói uma verdadeira jacuzzi para atrair a fêmea. É ou não é o último romântico? Brincadeiras à parte, os machos dessa espécie de perereca, constroem ninhos ou “panelas”, – uma depressão delimitada no chão da poça de água onde ocorre o amplexo (abraço nupcial do macho na fêmea) e a deposição dos ovos pela fêmea.
Mas pasmem. A fêmea é bem exigente! E não por menos! Ela tateia o ninho para conferir se é seguro e forte o suficiente e estudos apontam que é a qualidade do ninho e não do macho que influenciam na decisão da fêmea em iniciar a oviposição.
Ironicamente, as pererecas dessa espécie estão no grupo das chamadas gladiadoras, termo utilizado para se referir aos anuros que travam lutas contra oponentes e que utilizam uma espécie de espinho – presente na base do polegar dos machos – que pode ferir letalmente os rivais. Com todo este arcabouço, fica difícil não formular um estereótipo valentão para os machos dessa espécie, que a rigor, não possuem nenhum dimorfismo sexual aparentemente digno de chamar a atenção das fêmeas.
Tamanha valentia deve se refletir, indiretamente, na construção de ninhos ótimos, no padrão exigido pelas fêmeas. Pesquisadores observaram ainda, o cuidado parental facultativo dos machos. Ou seja, em situações de alta densidade de outros machos (da mesma ou de outras espécies) foi observado vigília e defesa vocal dos ninhos com postura.
Por que o macho investe tanto na construção de um ninho seguro?
Aproximadamente 3 mil ovos são depositados pela fêmea em uma camada gelatinosa que fica na superfície desse ninho. Essa camada gelatinosa é importante para evitar dessecação dos ovos. Todo o processo de desenvolvimento embrionário acontece até que os girinos deixem as panelas para alcançarem o corpo principal do rio e terminarem seu desenvolvimento.
É! É ovo ‘pra dedéu’! Ficou mais fácil compreender porque a fêmea é tão exigente com a segurança do ninho, não?
Referências
Nunes-De-Almeida, C.H.L et al. A revised classification of the amphibian reproductive modes. Salamandra 57(3): 413-427. 2021.
Martins, M. Observations on the reproductive behaviour of the smith frog, Hyla faber. – Herpetological Journal, 3: 31–34. 1993.
Martins, M. et al. Escalated aggressive behaviour and facultative parental care in the nest building gladiator frog, Hyla faber. Amphibia-Reptilia. 19: 65-73. 1998.
Marina Xavier da Silva
Bióloga graduada em Ciências Biológicas pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Mestre em Ecologia pela Universidade de São Paulo – USP. Iniciou sua carreira no Parque Nacional do Iguaçu, no Paraná, onde trabalhou por 13 anos, nove deles dedicados à coordenação de um projeto para conservação da onça-pintada no Brasil e Argentina. Mãe da Lia e da Cléo.