CONHECENDO OS ANIMAIS DA AMAZÔNIA CENTRAL

A história por trás de dois belos livros sobre a fauna Amazônica: “Animais de Mamirauá” e “Animais de Amanã”, recém-lançados pelo Instituto Mamirauá

Já reparou que pouco se conhece sobre a fauna brasileira, sobretudo as mais “escondidas” como as da Amazônia Central?

No Brasil, é comum que as pessoas, principalmente as crianças, reconheçam animais de outros continentes, como os grandes mamíferos africanos e asiáticos, os ursos da américa do norte ou os cangurus da Austrália. Sabemos muito pouco sobre os animais do Brasil, sobretudo os animais da Amazônia Central; um dos pontos mais biodiversos do Planeta!

O triste é que tenham pouco conhecimento sobre a fauna brasileira e seu papel ecológico. Mesmo em escolas no interior da Amazônia, repleta de onças-pintadas, guaribas, quatis, tamanduás, antas, ariranhas, jacarés e botos, eu via nos cartazes de alfabetização que a letra L era de Leão e não de Lontra, o U era de Urso e não de Urubu-rei, o E era de Elefante, não de Ema. Tá certo que não tem Ema na Amazônia, mas acho que o padrão se repete também no Cerrado, Caatinga e por aí vai.

Um macaco guariba no alto das copas da árvore é um dos animais da Amonia Central
Macaco Guariba na RDS Mamirauá, 2023. Foto: Brian Dennis

Eu confesso só descobri a existência de quatis quando comecei o estágio no primeiro ano da graduação em ciências biológicas na UFMG. De lá pra cá, nunca parei de trabalhar com mamíferos.

Hoje, uma das partes do meu trabalho que mais gosto é resgatar o cartão de memória das câmeras que instalamos no meio da mata e descobrir os animais que elas registraram (as câmeras, chamadas armadilhas fotográficas ou camera trap em inglês, funcionam de forma automática: um sensor dispara a câmera quando detecta algum objeto se movendo em sua frente).

pesquisadora Daniela checando as armadilhas fotográficas na Amazonia Central
Instalando armadilha fotográfica na RDS Amanã, 2023. Foto: Brian Dennis

Correção: a melhor parte do meu trabalho é mostrar para os moradores do entorno da área estudada as imagens dos outros animais que também vivem ali. Até ali, era possível que alguma pessoa não conhecesse algum animal fotografado.

Quando trabalhei na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Amanã, como pesquisadora do Grupo de Pesquisa em Ecologia e Conservação de Felinos na Amazônia do Instituto Mamirauá, sempre que possível mostrava os novos registros fotográficos das espécies nas comunidades da área de estudo, em reuniões que fazia ao fim do campo.

pesquisadora mostrando os animais da amazonia central para a comunidade
Apresentação na comunidade Ubim, RDS Amanã, em dezembro de 2023. Foto: Daniele Barcelos (acervo pessoal)

Sempre a parte de ver os bichos é muito legal, até pra quem já faz isso há quase 10 anos, meu caso. Uma vez a Juscineia Araújo, ex-professora e então presidenta da comunidade Ubim na RDS Amanã, vendo as fotos que eu acabara de mostrar, me pediu para compartilhar num pen-drive ou que levasse as fotos impressas da próxima vez, para trabalhar com os alunos em sala de aula.

Foi aí que surgiu a ideia para um projeto PIBIC jr: Desenvolver um guia fotográfico da fauna das RDS Mamirauá e Amanã registradas por armadilhas fotográficas, com a proposta de diminuir uma lacuna no conhecimento nacional, divulgar os animais da amazônica central, enriquecer o acervo das escolas e contribuir com o turismo local.

Como é feito o monitoramento dos animais da Amazônia Central

Um pouco de contexto: O monitoramento por armadilhas fotográficas nas reservas Mamirauá e Amanã, na Amazônia Central, é realizado pelo GP Felinos do Instituto Mamirauá há mais de 10 anos. As informações das espécies geraram muitas publicações científicas, revistas, palestras, mas ainda eram pouco acessíveis para o público geral.

Puma registrado por armadilha fotografica na amazonia central
onça-pintada registrada por armadilha fotografica na Amazonia central
Imagens de armadilhas fotográficas do monitoramento nas reservas Mamirauá e Amanã. Fotos: GP Felinos/Instituto Mamirauá

Queríamos fazer algo mais voltado para as comunidades locais, que sempre apoiaram muito a pesquisa do Instituto Mamirauá, muitos foram assistentes de campo e verdadeiros guias dentro das enormes florestas alagadas e de terra firme. Sem eles, nenhuma pesquisa seria possível.

uma tipica abordagem com a comunidade na amazonia central.  A luz de velas, pesquisadora conversa com os ribeirinhos sobre os animais da amazonia central
Na comunidade Ubim, café e conversa na casa do Sr. Luis Washington (sentado) com Juscineia (sentada, direita da foto) 2023. Foto: Brian Dennis

Eu fui responsável pelo monitoramento por armadilhas fotográficas em Mamirauá e Amanã de  junho de 2019 a dezembro de 2023. PIBIC é um programa institucional de incentivo à iniciação científica fomentado pelo CNPq, que fornece bolsas para alunos realizarem pesquisas científicas em todo Brasil, sob orientação de um pesquisador experiente.

Voltando ao projeto, as imagens das armadilhas fotográficas fornecem um material ilustrativo muito rico de espécies de mamíferos maiores de 1 kg, aves maiores, como gaviões, codornas e inhambus, e alguns répteis também de maior tamanho, como jacarés, iguanas e jabutis. Especialmente as espécies mais difíceis de avistar, por serem mais noturnas, mais ariscas, tímidas ou mais raras.

Criando o guia com os animais da Amazônia Central

A produção de um guia de campo com fotografias das espécies encontradas nas reservas serviria como uma ferramenta para o turismo de base comunitária, além de um excelente material para escolas, como vislumbrado pela Juscineia.

escola onde as crianças aprendem sobre os animais da amazonia central
Apresentação e entrega de livros “Animais de Amanã” na comunidade Bom Jesus do Baré, RDS Amanã, em dezembro de 2023. Foto: Daniele Barcelos (acervo pessoal)

As jovens bolsistas de iniciação científica Maria Eduarda Celestino Gomes, aluna do primeiro ano do ensino médio e Analice Vitória Cunha Ramos, cursando o segundo ano do ensino técnico do Instituto Federal do Amazonas (IFAM) em Tefé-AM, começaram a trabalhar com o banco de dados do GP Felinos, que continha nada mais que 650 mil imagens, quase 300 GB de arquivos.

O projeto foi um sucesso e os produtos finais acabam de serem lançados. Se trata de um catálogo completo das 47 espécies da RDS Mamirauá e das 62 espécies da RDS Amanã registradas por armadilhas fotográficas nas reservas.

pesquisadora apresentando os animais da amazonia central em seu livro para os comunitarios.
Apresentação e entrega de livros “Animais de Amanã” na comunidade Bom Jesus do Baré, RDS Amanã, em dezembro de 2023. Foto: Daniele Barcelos (acervo pessoal)

Os livros trazem os nomes populares em português e inglês, taxa de registros, mapa de ocorrência, horário de atividade, características, ameaças, hábitos e ecologia de cada espécie, tudo em linguagem simples e acessível. Analice e Duda são coautoras, junto com o coordenador do GP Felinos, Emiliano E. Ramalho.

A Analice escreveu em seu relatório final: “montar um guia de espécies é um meio de comunicação com as pessoas. Através dele divulgamos a fauna e atiçamos a curiosidade em saber mais sobre os locais em que os animais vivem, por que eles são importantes, como eles vivem e sobrevivem, entre outras coisas.

uma das autoras do livro sobre animais da amazonia central apresentando poster cientifico em congresso científico
Analice apresentando o pôster do projeto no Simpósio sobre Conservação e Manejo Participativo na Amazônia (Simcon), na sede do Instituto Mamirauá, 2022. Foto: Daniele Barcelos (acervo pessoal)

Duda escreveu: “Levando o conhecimento da biodiversidade amazônica para a população, podemos contribuir para que, observando a riqueza biológica que vive nela, as pessoas entendam a importância da proteção da natureza, tenham o interesse de ver as belezas que se tem na biodiversidade e queiram se aventurar sendo um cientista cidadão no ambiente natural” e concluiu com um relato pessoal: “Minha experiência com este trabalho ajudou a conhecer e incentivar outras pessoas a descobrir a grande importância da biodiversidade. Após passar por esse processo de conhecimento, levarei adiante e continuarei a engajar na conservação da biodiversidade.

Uma curiosidade sobre Duda, ela é de uma comunidade ribeirinha da Floresta Nacional de Tefé. Sua primeira experiência com a pesquisa foi também no seu primeiro ano morando numa cidade e trabalhando em um computador.

pesquisadora apresentando os resultados do seu trabalho científico com os animais da amazonia central para o publico
Duda em na sede do Instituto Mamirauá, 2023. Foto: Daniele Barcelos (acervo pessoal)

Ela foi incentivada por seus pais que são importantes lideranças comunitárias. Quando a Duda participou da entrevista para o projeto, vi a grande oportunidade que teria ao ser sua orientadora e contribuir na sua formação. O propósito do programa PIBIC é formar jovens cientistas, além da realização da pesquisa em si. Duda continua pesquisadora júnior no Instituto Mamirauá e tem um futuro brilhante pela frente.

A divulgação científica tem um papel importante para informar e engajar a sociedade na conservação da biodiversidade. Os livros são uma forma de conectar cidadãos à natureza, o que contribui para o engajamento público na proteção da Amazônia e da natureza como um todo.

pesquisadores e comunitários orgulhosos exibindo o livro produzido
Apresentação e entrega do livro “Animais de Mamirauá” para gestora e guias comunitários da Pousada Uakari, na RDS Mamirauá, dezembro de 2023. Foto: Daniele Barcelos (acervo pessoal)

Esperamos que os livros sejam utilizados por guias comunitários e turistas das reservas, por professores e alunos de escolas e comunidades locais e em atividades de educação ambiental. E que sejam grande inspiração para aumentar o conhecimento sobre os Animais da Amazônia Central.

Os livros “Animais de Mamirauá” e “Animais de Amanã”  estão disponíveis para download gratuito no site do Instituto Mamirauá

Daniele Barcelos

Bióloga formada na UFMG e mestra em Ecologia pela UnB. Trabalhou no projeto Dinâmica da comunidade de mamíferos do Grupo de Pesquisa em Ecologia e Conservação de Felinos na Amazônia do Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá em Tefé, Amazonas. Em sua pesquisa, ela investigou os mamíferos nas Reservas de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá e Amanã. Atualmete é pesquisadora assistente no Instituto Biotrópicos em Diamantina, Minas Gerais, onde trabalha no monitoramento de mamíferos em Unidades de Conservação no norte de MG. Os seus interesses incluem ecologia, com ênfase em mamíferos, armadilhamento fotográfico e conservação da biodiversidade.

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