OLHARES

Uma criança com olhos azuis escuros com olhar fixo no registro, encara os leitores

“É um olhar breve

Dura apenas alguns segundos

Mas eu consigo devorá-lo por inteiro

em cada detalhe

Como se não tivesse feito outra coisa na vida”

Eu me perco em medo e desespero quando vejo os olhinhos dela me encarando sem palavras

Quando percebo nela o real significado da pureza

Desespero porque é tão sincero

que dói estampando

a falsidade em que vivo.

Medo porque sei que vida

Lhe roubará a inocência

machucando lhe

os pensamentos infantis

aos poucos

É um olhar breve

Dura apenas alguns segundos

Mas eu consigo devorá-lo por inteiro

em cada detalhe

Como se não tivesse feito outra coisa na vida

a não ser vigiá-lo ao longo do dia

É, ao mesmo tempo sublime e agressivo

porque invade a alma sem pedir licença

nem cordialidades

Vem

incide

e ocupa

o espaço cativo

que anos de convivência adulta

não ousaram construir

e…

desvantajosamente

fico subordinada a ela

Para completar tal façanha

ela não demonstra mágoas

da minha ausência

Contenta-se em ser afetuoso e suficientemente terno

no momento presente

Poupa-me de cobranças

e rejubila-se com a ocasião

Transforma o dia

renova os sentimentos

e me engradece a fé

Há mais paz nos olhinhos dela

do que em certas falsas orações

Há nessa história

duas grandes contradições

De um lado, o olhar breve dela

Tão sincero

E igualmente sem destaque

Dentro de todas as suas atividades infantis

Do outro, um registro eterno

na minha memória adulta

Tão fixamente doce

tão silencioso

que faz escutar

meu próprio coração

A FÍSICA DO NINAR DA CADEIRA DE BALANÇO

Para produzir esse simples movimento de vai e vem da cadeira

um processo de energia e força atua

Basicamente a força interna do sistema, modifica o resultado mecânico do movimento

produzindo um torque restaurativo

Isso é física

Paradoxalmente, o acalanto e aconchego do momento

também envolvem os mesmos processos:

energia

força interna

movimento

e restauração

Ambos são precisos

O primeiro, pela ótica da exatidão e mensuração

O segundo, pelo outro significado de precisão:

o de necessitar de algo ou alguém

AMOR

Um senhor de cabelos brancos caminha de mãos dadas com uma criança pequena em meio a cidade agitada

“Observava a criança pequena

de mãos dadas com o avô

Este

de cabelos brancos

pouco fartos

passos desapressados

O menino, sem saber

levava em suas mãos

a materialização do tempo

O avô

o regozijo”

Marina Xavier da Silva

LUTO

Meu coração

naufragou na morte

As ondas de amor

me levaram para a superfície

Sei que vou demorar para chegar em terra firme

mas não temo a solidão da jornada

porque as ondas tem o som da sua voz

EU

Tenho comigo que o instinto

é um poderoso ato de rebeldia

Apura-se numa constante construção

e reconstrução de si mesmo

Às cegas

Tão primitivo

Tão libertador

ENCONTRO

“Eu não temo mais as minhas reflexões

minhas dores e esperanças

Ninguém deveria interromper o desejo genuíno

de entender a si mesmo

sem pretensão de nada além da provável

utilidade de, por sorte, ser acendido por um rompante”

Marina Xavier da Silva

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